Proteger os direitos da gestante e do bebê são os objetivos da regulamentação da entrega voluntária à adoção
A norma, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi regulamentada no Distrito Federal em setembro, por uma portaria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
No Brasil, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 596 crianças foram colocadas para a adoção, em 2023 até maio, por meio da entrega voluntária. No Distrito Federal, foram 12 bebês.
Regulamentação que protege
Segundo a advogada Ludmila Mendes, especialista na área de direito de famílias e sucessões, a portaria do TJDFT representa um avanço, pois aborda com nitidez o respeito aos direitos da gestante e do bebê até o momento da entrega. Ludmila Mendes destaca a importância social da regulamentação para que profissionais de saúde, do serviço público e a população se sensibilizem e compreendam que a entrega voluntária de um recém-nascido à adoção não é um crime.
O abandono de bebês, como citado pela advogada, em lixeiras, na rua, é crime. De acordo com o Código Penal, a detenção por abandono de recém-nascido pode variar de 6 meses a 6 anos, se houver lesão corporal ou morte do bebê.
Como funciona o processo de entrega voluntária?
A entrega voluntária para adoção só pode ser feita por meio do Poder Judiciário. Registrar o filho de outra pessoa como se fosse seu ou atribuir parto alheio como próprio é crime previsto no artigo 242 do Código Penal, com pena de 2 a 6 anos. Já transferir uma criança ou adolescente a terceiros, sem autorização judicial, desrespeita o artigo 30 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A portaria do TJDFT determina três etapas para a entrega voluntária à adoção em Brasília:
- Manifestação do interesse da gestante em realizar a entrega voluntária à adoção
- Acompanhamento de advogado ou defensor público e equipe interprofissional durante a gestação
- Audiência final para dar a sentença de extinção do poder familiar
A gestante que quer entregar o recém-nascido à adoção pode procurar a 1ª Vara da Infância e Juventude, localizada no final da Asa Norte, para formalizar o procedimento judicial. Mas a opção pela entrega para adoção também pode ser comunicada em outros locais, como unidades de saúde pública ou privada do Distrito Federal, instituições de ensino, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS), Conselhos Tutelares e demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos da criança e do adolescente.
Depois de comunicar que quer fazer a entrega voluntária, a gestante é acompanhada durante todo o processo por defensor público ou advogado e uma equipe que conta com serviço de assistência social, jurídica e psicológica. Uma entrevista é realizada para que ela receba a orientação jurídica qualificada.
A parturiente recebe uma carta de apresentação para informar que está sob acompanhamento do Poder Judiciário e a unidade de saúde onde o parto vai ocorrer é notificada para que haja um atendimento humanizado e acolhedor. O objetivo é evitar constrangimentos e assegurar o sigilo do processo.
Se a gestante quiser, pode não ter contato com o recém-nascido e não escolher o nome. O registro será feito com o nome de algum dos avós ou outro familiar da gestante. Se não houver estes dados, o juiz colocará nome e sobrenome comuns.
Cerca de 10 dias após a alta hospitalar da gestante, quando ela tiver condições de saúde, uma audiência para confirmação do consentimento sobre a adoção é realizada. Além da presença da mãe biológica, o pai registral ou indicado também é ouvido na audiência.
Depois do consentimento de ambas as partes e de um prazo de 10 dias depois da sentença, o juiz declara extinto o poder familiar, a criança entra no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) e um novo processo para adoção do bebê é iniciado.
Cerca de 6.161 pessoas estão na lista para adoção de crianças de até 2 anos no país, segundo o CNJ. No Distrito Federal, dos 537 interessados em adotar uma criança, 94 pessoas têm preferência por bebês de até 2 anos.
Direito ao arrependimento
A gestante pode decidir por não entregar a criança para adoção até 10 dias após a sentença, que é definida alguns dias depois da audiência final. Durante todo o processo, até a última audiência, a parturiente também pode escolher não realizar a entrega voluntária do bebê à adoção e comunicar a equipe multidisciplinar ou advogado ou defensor público que a acompanha.
Se houver arrependimento, a criança fica com os genitores e a família é acompanhada por um período de cerca de seis meses.
Avaliação psicológica, aborto legal e sigilo
A equipe interprofissional, que acompanha a gestante durante todo o processo, tem como objetivo certificar alguns pontos da entrega voluntária à adoção e dos direitos da parturiente como a realização de uma avaliação psicológica e se foi informado para a gestante sobre direitos de proteção como o aborto legal.
Os direitos da gestante, como o sigilo, são garantidos e é assegurada a identidade e paradeiro do pai e da família paterna.
O direito ao sigilo é garantido para todas as gestantes que pedirem ou solicitarem durante o processo. A gestante criança ou a gestante adolescente, inclusive, podem pedir em relação aos seus genitores, caso em que uma medida protetiva será aplicada.
A criança adotada, segundo o ECA, tem direito ao conhecimento da origem biológica. Apesar de nos registros a partir da adoção não constar o nome da gestante, este fica arquivado.
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